Como vim parar aqui!
Acompanhe minha trajetória onde desde os primeiros rabiscos incentivados pela mãe, passando pela escola técnica até os murais urbanos, mostrando como a arte, mesmo que abafada pelo corporativismo continua latente e buscando escapar.
Desde os primeiros anos da minha infância, a arte se manifestava como um elemento perene em minha vida, tecida habilmente pelo fomento materno. Minha mãe, uma professora primária no serviço público de São Paulo, moldava nosso lar não apenas como um refúgio familiar, mas como um ateliê de potencial criativo ilimitado.
A casa em que cresci possuía uma peculiar disposição; o quarto contíguo à cozinha era definido mais pela sua utilização do que por qualquer designação convencional. Este espaço, situado entre um fogão e uma geladeira pintados de um azul tão profundo que rivalizava com o céu ao entardecer, servia como nossa galeria privada. Nele, as paredes eram adornadas com esboços infantis de criaturas marinhas, com destaque para baleias desenhadas em lápis e giz de cera. Tais imagens, embora simples, eram carregadas de significado e inocência.
Essas memórias vívidas de um quarto que oscilava entre ser uma extensão da cozinha e uma sala de estar são fragmentos de uma época menos complicada, onde a imaginação infantil era não apenas permitida, mas encorajada. A benevolência de minha mãe em relação às nossas expressões artísticas era emblemática de sua filosofia educacional: ela acreditava que uma criança deve ter o espaço necessário para explorar sua criatividade sem restrições. Nunca houve reprimendas por nossas travessuras artísticas; ao contrário, esses primeiros passos na arte eram celebrados como os esforços iniciais de artistas em desenvolvimento.
Esta abordagem da educação e da vida formou não apenas meu caráter, mas também minha percepção do mundo artístico como um campo vasto e sem limites, onde cada parede pode ser uma tela e cada ideia uma obra-prima em potencial.
Na ETE Jorge Street, as portas para um novo mundo de educação artística se abriram diante de mim, um contraste marcante com o ensino de artes que eu havia experimentado até o final do ensino fundamental, que não ia além da exigência de margens corretas no caderno de desenhos e da obediência cega às instruções. Aqui, a abordagem era radicalmente diferente, focada na história da arte e em técnicas que rompiam com o tradicional.
Recordo-me vividamente de um projeto particularmente iluminador que nossa professora propôs: uma análise detalhada de uma exposição de Monet no MASP. Essa foi minha primeira jornada até a Avenida Paulista, um ícone de São Paulo que até então só conhecia de ouvir falar. Crescido no ABC Paulista, lugares como a Faria Lima, a própria Paulista e o Parque Ibirapuera pareciam-me quase míticos. Ao ver os quadros de Monet de perto, a realidade dos pigmentos e do relevo das tintas foi uma revelação; detalhes que jamais poderiam ser plenamente apreciados em livros ou nas transmissões televisivas do Fantástico, aquele programa que marcava os domingos de qualquer brasileiro nos anos 90.
As aulas de serigrafia foram outro marco decisivo naquela época, apresentando-me a uma técnica que, embora parecesse simples, expandiu grandemente minha compreensão das capacidades da arte. Aprendi que a arte transcende os limites do lápis e do papel, e que ela é uma entidade viva, uma força que se manifesta em inúmeras formas e superfícies. Em 1998, aos 15 anos, minha audácia juvenil me levou a pintar alguns murais pelos muros do bairro. Olhando para trás, agora aos 40 anos, percebo que aquelas transgressões juvenis, embora repreendidas pelos meus pais na época, foram essenciais no meu caminho para compreender e respeitar a arte como uma forma poderosa de expressão e diálogo.
À medida que minha carreira no setor tecnológico evoluía, passando de programador a gestor, o desenho permanecia como um refúgio para minha mente. Nas complexidades do código e dos sistemas, encontrava um paralelo no mundo do desenho, onde cada traço podia me levar a um estado de hiperfoco, similar ao da programação. Foi numa dessas ocasiões de imersão profunda que uma colega, Jussara, percebeu algo extraordinário nos rabiscos que eu considerava meros passatempos. Ela viu neles uma qualidade única, uma voz que merecia ser ouvida além das margens de nosso escritório.
Jussara estava empreendendo seu próprio projeto literário, uma coletânea de contos que exploraria as intrincadas facetas da vida cotidiana e das emoções humanas. Frequentemente, ela observava meus desenhos, solicitando alguns para si. Inspirada pelo que via, propôs uma colaboração: queria incorporar minhas ilustrações ao seu livro, intitulado "Um Dia No Avesso". Contudo, antes de utilizar oficialmente as imagens, ela tomou uma decisão pragmática e visionária: registrar meus desenhos na Biblioteca Nacional no Rio de Janeiro. Esse ato não apenas protegia legalmente a obra, mas também elevava o status dos meus desenhos de simples rabiscos a componentes vitais de uma obra literária publicada.
O gesto de Jussara não só consolidou a importância de meu hobby, mas também redefiniu minha percepção sobre o próprio valor artístico. Através de sua iniciativa, o que começou como um passatempo isolado transformou-se em um elemento essencial de um projeto criativo maior, marcando um ponto de virada tanto em minha carreira artística quanto na profissional.
Inspirado pela crescente apreciação do meu trabalho artístico, comecei a dedicar mais tempo ao desenvolvimento de uma expressão mais livre e autoral. A pandemia de Covid havia imposto uma pausa reflexiva ao mundo, e com a sua gradual reabertura, senti uma renovação do meu interesse pelas artes visuais, particularmente pelo graffiti. Lembranças de infância, quando rabiscava as paredes com giz de cera, voltaram a me inspirar, agora com uma urgência adulta de expressar essa veia artística em escalas maiores e mais permanentes.
Minha esposa, Munick, consciente desse meu renovado entusiasmo e das vezes que mencionei meu interesse em workshops de graffiti, tomou uma decisão que mudaria significativamente minha trajetória artística. Em 2022, ela me presenteou com um curso de Técnicas de Graffiti na Academia Brasileira de Artes (ABRA), localizada no bairro de Moema. O curso era ministrado por Alex Vint3, um artista de rua renomado cuja habilidade e atenção como artista e professor, isso abriu novos horizontes.
Sob a orientação de Alex Vint3, não apenas refinei minhas técnicas de pintura, mas também ampliei minha compreensão sobre o potencial da arte de rua. Sua amizade e seu mentorado foram cruciais, oferecendo-me novas perspectivas sobre como os murais podem servir como poderosos meios de comunicação, reflexão e transformação social. Esta experiência reforçou minha convicção na importância da arte como uma forma de diálogo e expressão, enraizando ainda mais meu compromisso de levar minha voz artística para as ruas.
O transcorrer do primeiro ano desde que retomei o grafite foi marcado por uma evolução contínua e uma experimentação que me permitiram não só aprimorar minha técnica, mas também disseminar minha arte através de diversos cantos da cidade.
Em ordem cronológica, a galeria de imagens a seguir reflete o caminho percorrido.